6 de mai. de 2011

Esquisitices Não - Parte 1

Levítico 11; Atos 10

Em Atos 10 temos uma fascinante passagem do Novo Testamento, a narrativa da visão do apóstolo Pedro sobre o terraço da casa. Tendo subido ao terraço para orar sozinho, Pedro começou a sentir fome. Sua mente vagueava, e ele entrou num êxtase. Depois disso, teve uma visão espantosa. Um grande lençol desceu do céu, cheio de mamíferos, répteis e aves "impuros". O texto de Atos 10 não é muito específico, mas podemos encontrar uma boa dica das espécies desses animais em Levitico 11.

Os animais descritos em Levítico 11 constituíam um tabu, eram abomináveis. "Ser-vos-ão por abominação", Deus dissera. Agora esses itens abomináveis descendo em um lençol, com uma voz celestial ordenando: "Levante-se, Pedro, mate e coma". Pedro fez com que Deus "se lembrasse" de suas próprias regras. "Claro que não, Senhor!", ele protestou. "Nunca comi nada impuro ou duvidoso". Deus respondeu: "Não chame de impuro nada que Deus tenha purificado".

Quando voltamos ao livro de Levitico vemos a explicação de Deus sobre a proibição: "Eu sou o Senhor vosso Deus; consagrai-vos, e sede santos, porque eu sou santo". A rápida explicação de Deus dá lugar a muitas interpretações, e os mestres há muito debatem os motivos por trás do motivo. Uns tem destacado os benefícios para saúde na lei levítica, outros observam que muitos dos animais proibídos são necrofágos, alimentando-se de carniça. Outros, ainda, observam que as leis específicas parecem dirigidas contra os costumes pagãos dos vizinhos dos israelitas. Por exemplo, a proibição de cozinhar uma cabra no leite de sua mãe parecia ter sido feita para evitar que os israelitas imitassem um ritual de magia dos cananeus.

A antropóloga Mary Douglas vai mais longe, observando que em cada caso Deus proíbe animais que apresentam uma anomalia. Uma vez que peixes devem ter barbatanas e escamas, moluscos e enguias não se qualificam. As aves devem voar, assim as emas e avestruzes não se qualificam. Animais terrestres devem andar com quatro pernas, não rastejar como a cobra. Gado doméstico, ovelhas e cabras ruminam e têm cascos fendidos; portanto, todos os mamíferos comestíveis deveriam ser assim. Seguindo o raciocínio da antropóloga se tivessemos que dizer em poucas palavras o que torna uma coisa impura, diríamos que é alguma coisa que, por algum motivo ou outro, fosse anormal. De acordo com o que lemos em Levítico podemos chegar a essência das leis do Antigo Testamento: esquisitice, não. O mesmo princípio se aplicava aos animais "puros" utilizados no culto. Nenhum israelita podia trazer um cordeiro aleijado ou defeituoso para o templo, pois Deus queria animais sem mácula. Deus exigia perfeição; Deus merecia o melhor. Esquisitices, não.

O Antigo Testamento aplica uma classificação semelhante, muito mais perturbadora, às pessoas. Uma coisa é chamar um animal de impuro e outra, muito diferente, é chamar as pessoas de impuras, mas as leis do Antigo Testamento não se retraíam desse passo.
Nenhum dos teus descendentes, nas suas gerações, em quem houver algum defeito, se achegará para oferecer o pão do seu Deus. Nenhum homem, caso tenha algum defeito físico, se achegará: nenhum homem que seja cego, coxo, desfigurado ou deformado; nenhum homem que tenha o pé quebrado ou a mão quebrada, ou for corcunda, ou anão, ou que tenha qualquer defeito dos olhos, ou sarna, ou impingens, ou testículos esmagados.
Nesta época de "politicamente correto", tal classificação espalhafatosa de indivíduos, baseada no genêro, raça e até mesmo na saúde física, parece quase inconcebível, mas esse era o ambiente que definia o judaísmo. Todos os dias os homens judeus começavam suas orações matinais dando graças a Deus "que não me fez gentio...que não me fez escravo...que não me fez mulher".

O texto de Atos 10 mostra a "lógica mortal dos políticos da pureza". Quando Pedro sob coação concordou em visitar a casa do centurião romano, apresentou-se dizendo: "Vocês sabem muito bem que é contra nossa lei que um judeu se associe a um gentio ou o visite". Ele fez tal concessão apenas depois de ser derrotado por Deus na discussão do terraço. Pedro continuou: "Mas Deus me mostrou que não devo chamar nenhum homem de impuro". Uma revolução de graça estava a caminho, do tipo que Pedro dificilmente poderia compreender. Será que nos compreendemos essa revolução?
Continua no próximo post...


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